segunda-feira, 3 de agosto de 2009

AVALIAÇÃO (Prof. Cipriano Carlos Luckesi )

Fragmentos dos textos abaixo obtidos no website do Prof. Cipriano Carlos Luckesi - http://www.luckesi.com.br/

Considerações gerais sobre Cipriano Carlos Luckesi no cotidiano escolar

Avaliação da Aprendizagem: compreensão e prática
5. Por que alguns educadores são tão resistentes às mudanças?
São três a principais razões. A razão psicológica (biográfica, pessoal) tem a ver com o fato de que os educadores e as educadoras foram educados assim. Repetem automaticamente, em sua prática educativa, o que aconteceu com eles. Em segundo lugar, existe a razão histórica, decorrente da própria história da educação. Os exames escolares que praticamos hoje foram sistematizados no século XVI pelas pedagogias jesuítica e comeniana. Somos herdeiros desses modelos pedagógicos, quase que de forma linear. E, por último, vivemos num modelo de sociedade excludente e os exames expressam e reproduzem esse modelo de sociedade. Trabalhar com avaliação implica em ter um olhar includente, mas a sociedade é excludente. Daí uma das razões das dificuldades em mudar.
12. O que uma escola precisa desenvolver para construir uma cultura avaliativa mediadora?
Para desenvolver uma cultura da avaliação os educadores e a escola necessitam de praticar a avaliação e essa prática realimentará novos estudos e aprofundamentos de tal modo que um novo entendimento e um novo modo de ser vai emergindo dentro de um espaço escolar. O que vai dar suporte à mudança é a prática refletida, investigada.
2. Em que a escola "peca" ao avaliar seus alunos, hoje?

Genericamente falando, a escola peca devido não se servir da avaliação, mas sim dos exames. Os exames servem para os processos seletivos nos concurso, a avaliação serve para subsidiar a busca de resultados satisfatórios no desempenho dos estudantes em sala de aula.

Para perceber isso, basta verificarmos as características básicas, de um lado, do ato de examinar e, de outro, do ato de avaliar.

Entre as múltiplas características, os exames são classificatórios, ou seja, eles classificam os educandos em aprovados ou reprovados, ou coisa semelhante, estabelecendo uma escala classificatória com notas que vão de zero a dez. São classificações definitivas sobre a vida do educando. Elas são registradas em cadernetas e documentos escolares, “para sempre”. As médias obtidas a partir de duas ou mais notas revelam isso. Por exemplo, quando um estudante tem um desempenho insatisfatório numa prova de uma determinada unidade de ensino e obtém uma nota 2,0 (dois), nós professores lhe aconselhamos estudar um pouco mais e submeter-se a uma nova prova. Então, ele faz isso e, nesta segunda oportunidade, obtém nota 10,0 (dez). Qual será a nota final dele? Certamente será 6,0 (seis), que é a média entre o 2 (dois) inicial e o 10 (dez) final. Mas, por que não 10,0 (dez), se foi essa a qualidade que ele manifestou na segunda oportunidade? Antes, ele não sabia, porém, agora, sabe. Não atribuímos o 10 (dez) a ele, devido ao fato de ter obtido dois antes. Esse 2 (dois) era definitivo, de tal forma que não nos possibilitou atribui-lhe o 10 (dez), apesar de ter manifestado essa qualidade plenamente satisfatória em sua aprendizagem

Em conseqüência dessa característica emerge outra fundamental. Os exames são seletivos ou excludentes. Porque classificatórios, excluem uma grande parte dos educandos. Muitos ficam de fora. A pirâmide educacional brasileira é perversa; o aproveitamento de nossos educandos é estatisticamente muito baixa. Numa média bem geral, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, aproveitamos, no país, em torno de 35% dos estudantes efetivamente matriculados. Evidentemente que para essa perda estão comprometidos fatores tais como a distribuição de renda no país, nossas políticas públicas e as determinações socioculturais. Mas, ao lado desses fatores, os exames contribuem, e em muito, para esse fenômeno de exclusão educacional que vivemos, devido eles serem seletivos.

De outro lado, as características básicas da avaliação são exatamente opostas a essas. A avaliação é diagnóstica e inclusiva. Ou seja, à avaliação interessa o que estava acontecendo antes, o que está acontecendo agora e o que acontecerá depois com o educando, na medida em que a avaliação da aprendizagem está a serviço de um projeto pedagógico construtivo, que olha para o ser humano como um ser em desenvolvimento, em construção permanente. Para um verdadeiro processo de avaliação, não interessa a aprovação ou reprovação de um educando, mas sim sua aprendizagem e, consequentemente, o seu crescimento; daí ela ser diagnóstica, permitindo a tomada de decisões para a melhoria; e, conseqüentemente, ser inclusiva, enquanto não descarta, não exclui, mas sim convida para a melhoria. Dentro dessa perspectiva, o que caracteriza o ato de avalizar é ele ser um ato de investigar e, conseqüentemente, de intervir. Desse modo, nesse contexto, o pecado da escola, ao acompanhar a aprendizagem do educando, é examiná-lo em vez de avaliá-lo.

3. Nos três níveis de ensino (fundamental, médio e superior), a avaliação ainda se realiza mais como forma de condenar o estudante do que para que se descubra em que pontos frágeis é preciso ajudá-lo, não? Para que se avalia, afinal?

A avaliação tem essa finalidade que você aponta: diagnosticar onde o educando está manifestando carências e descobrir as causas disso e tomar a decisão de como ajudá-lo a superar suas fragilidades. Porém, essa não é a finalidade dos exames, que tem sido nossa prática diuturna.

Talvez a pergunta mais adequada fosse: por que, na escola, se examina ao invés de se avaliar? A modalidade dos exames, atualmente ainda vigente em nossas escolas, se examina para disciplinar os educandos, obrigando-os a submeter-se à ordem escolar, que se configura dentro de um processo de reprodução da ordem social, incluindo aí todas as instâncias, tais como a família, as organizações religiosas, escolares, sociais, políticas... O último objetivo é introjetar no educando um controle a partir dos valores sociais vigentes, através de uma autoridade exacerbada, inclusive o medo.

Daí você poderá perguntar, mas isso não ajuda a aprender os conteúdos escolares? Os grandes cientistas não aprenderam desse jeito? . Eu digo que sim, mas pergunto: a que preço? Será que é preciso tanta dor e sofrimento para se aprender e se desenvolver? Penso que existem caminhos mais sadios. Entre muitos outros, um deles é fazer da avaliação verdadeiramente avaliação e não confundi-la com exames, como temos feito historicamente. Afinal, avaliar, como dissemos, é diagnosticar impasses e encontrar soluções. Os exames nem diagnosticam nem buscam soluções. Somente classificam e excluem.

4. Mudar a forma de avaliar não pressupõe mudar também a relação ensino-aprendizagem?
Não podemos desvincular os mecanismos de acompanhamento da aprendizagem dos projetos pedagógicos, aos qual eles servem. A prática dos exames ou a prática da avaliação não servem a si mesmas, mas sim a um determinado projeto. Tanto os exames como a avaliação são práticas subsidiárias de determinados projetos de ação. No nosso caso, subsidiárias de projetos pedagógicos.
Os exames são adequados para um projeto pedagógico tradicional, que tem sua base numa visão estática e controlada da vida. A pedagogia tradicional se sistematizou com a emergência e consolidação da sociedade burguesa. É interessante observar que os revolucionários franceses só foram revolucionários até a tomada da Bastilha; depois disso, assentaram-se no poder e optaram por uma sociedade estável e conservadora. No decorrer do processo revolucionário, os padres foram proibidos de ensinar, na medida em que representavam o antigo, o retrógrado, o estático, na visão dos revolucionários franceses; porém, logo após a vitoriosa Revolução Burguesa, os padres e religiosos católicos foram chamados novamente para o seio do ensino, exatamente por, naquele momento, expressarem o que era estável. Deste modo, como o modelo social burguês é conservador, viu-se expresso na pedagogia tradicional, que tem os exames como seu modo adequado de aferir a aprendizagem, evidentemente com todos os seus vínculos disciplinares. Os exames expressam o modo conservador da pedagogia tradicional, que, por sua vez, expressa o modelo social burguês conservador. Assim sendo, os exames apresentam características inadequadas somente para quem deseja um modelo social diverso do burguês, que seja igualitário, democrático.

Observar que a sociedade burguesa, que, aparentemente admite a mobilidade social, porque liberal, verdadeiramente é uma sociedade seletiva e excludente. Grande parte da população, dentro do modelo burguês de sociedade, vive excluída, seja da renda, seja dos bens sociais de educação e saúde, do lazer, moradia etc. A pedagogia tradicional repete esse modelo, assim como os exames, que possuem a característica seletiva.

Neste contexto, nossos currículos postos em prática, não aqueles anunciados nos projetos educacionais das escolas, mas aqueles que verdadeiramente são vividos na sala de aula, nos exames, nas relações humanas escolares, na recreação, etc são tradicionais. Muitas escolas têm um belo Projeto Pedagógico Construtivo escrito, mas a sua prática é totalmente tradicional. Daí que a aferição da aprendizagem, nesse contexto, termina sendo tradicional, por mais que se diga que se está praticando a avaliação.

É contraditório desejar praticar avaliação dentro da pedagogia tradicional. Praticar um currículo tradicional e avaliar são coisas incompatíveis. Para um currículo tradicional é adequada a prática de examinar. Para a prática de avaliar necessitamos de um currículo centrado no desenvolvimento, na construção, na experiência da igualdade e da democracia, no seu mais preciso sentido.

8. Como reformular a avaliação, quando se tem um professor que utiliza instrumentos como a prova e a reprovação, como um escudo protetor, como instrumento de poder, de dominação de seus alunos? O professor, em um primeiro momento, não se sente desamparado ao se ver impedido de usar esses mecanismos ou, ao menos, de priorizá-los?

Penso que a questão fundamental, de um lado, está na formação do educador. Não só a formação básica do curso universitário, mas sim a formação “ao longo da vida”, como sinaliza o Relatório da UNESCO para a educação do século XXI. Nesse processo, não basta uma aprendizagem conceitual sobre uma nova modalidade de atuar em avaliação. Isso é simples. Basta ler alguns textos e responder uma ou algumas provas e... pronto. Muito mais que isso, é preciso que essa formação seja vivencial, que ela se transforme em vida cotidiana. Infelizmente, nossa prática educativa, ainda é iluminista; daí parecer que saber os conceitos é suficiente. Não o é! Necessitamos de aprender com a vivência. A formação pessoal para atuar com avaliação também exige que seja vivencial. É através dela, que a avaliação chegará à sala de aula, pois que é lá que o professor atua. Para nos apropriamos dessa questão mais de perto, basta observar que, aqui e acolá, temos professores que ensinam aos seus alunos os conteúdos sobre avaliação, por exemplo, na disciplina Didática, nos cursos de nível superior, e, depois, para acompanhar os resultados de sua aprendizagem, utilizam-se das práticas examinatórias. Com isso quero dizer que esses professores sabem bem os conceitos sobre avaliação, porém não os trouxeram para a vida cotidiana, para a prática.

Por outro lado, importa também uma mudança estrutural. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação abriu as portas para as práticas de avaliação na escola, nos seus diversos graus, porém, importa que as estruturas administrativas escolares se flexibilizem para que a lei possa ter vida; caso contrário, será letra morta. E, por último são necessárias melhores condições de trabalho no setor educacional do país: condições físicas das escolas, material didático, melhores salários para os educadores,... Nesse sentido, por enquanto, nós educadores temos que fazer (e efetivamente fazemos) milagres com nossa atividade docente.

11. Novas formas de avaliar são vistas pelos professores como tentativas de se camuflarem resultados ruins e como imposição de que se aprovem mesmo os "maus alunos". Como mudar essa visão?

Examinar é muito mais simples e propicia maior oportunidade de exercício do poder do que avaliar, por isso parece que a primeira modalidade é mais exigente. Todavia, não o é. A prática da avaliação, se verdadeiramente for avaliação, é mais exigente e politicamente mais correta do que o examinar na prática educativa, dentro de uma visão democrática, é claro. A avaliação está posta para a efetiva construção da aprendizagem, buscando a satisfatoriedade; os exames, ao contrário, permitem o acerto por acaso, pela tentativa, sem ter a posse efetiva do conhecimento. Numa prova de vinte questões, a exemplo, um estudante pode responder todas elas, quando efetivamente ele tem certeza de só tem bom conhecimento sobre seis delas; mas ele arrisca. Pode ser que acerte alguma coisa e obtenha algum ponto. Numa prática verdadeiramente avaliativa isso não deveria ocorrer, na medida em que a atividade pedagógica deveria estar voltada para construir a maestria; não algo “mais ou menos”. Assim, a avaliação, se não for um arremedo de avaliação, será mais exigente e rigorosa que os exames.

O que ocorre no dia a dia, muitas vezes, é que se faz um arremedo de avaliação e, então, ela passa a ser desqualificada como recurso educativo. Porém, isso não é avaliação; é, sim, arremedo de avaliação. Aqui, de novo, importa não confundir uma coisa com outra. Penso que a colocação que está posta em sua pergunta tem a ver com essa confusão teórica e prática, ao mesmo tempo, que se manifesta na conversa cotidiana dos professores.

2 comentários:

JC Roitberg disse...

Igor, vale à pena relembrar o post do prof. Sérgio, em dez. 2008, em que ele reproduz a entrevista do educador Claudio de Moura Castro - "Aprovar quem não aprendeu?
O medo da repetência leva o aluno de classe média a estudar, para evitar os castigos. Nas famílias mais modestas não há medo nem pressão para que os filhos estudem"
Para chamar atenção sobre pesquisas irrelevantes, um bando de gaiatos de Harvard criou o prêmio Ignobel (um brasileiro já foi agraciado, por estudar o impacto dos tatus na arqueologia). De fato, esse é um problema clássico da academia. Como às vezes aparecem descobertas de valor na enxurrada de idéias que parecem bobas, todos se acham no direito de defender as suas. Diante disso, é reconfortante encontrar pesquisas colimando assuntos palpitantes e com resultados precisos e definitivos. Esse é o caso da tese de Luciana Luz, orientada pelo professor Rios Neto (UFMG), que examinou um problema fundamental: no fim do ano, o que fazer com um aluno que não aprendeu o suficiente? Dar bomba, para que repita o ano? Ou deixá-lo passar? O uso de dados longitudinais permitiu grande precisão na análise. A autora tratou os números com cuidado e sofisticação estatística. O cuidado aumenta a confiança nos resultados. Mas a sofisticação impossibilita que se faça aqui uma explicação acessível da análise estatística.
Contudo, a interpretação das conclusões é clara. A tese permite comparar um aluno que repetiu o ano por não saber a matéria com outro que foi aprovado em condições similares. Os números mostram com meridiana precisão: um ano depois, os repetentes aprenderam menos do que alunos aprovados sem saber o bastante. Tudo o que se diga sobre o assunto não pode ignorar o significado desses dados, que, aliás, corroboram o que foi encontrado pelo professor Naércio Menezes e por pesquisadores de outros países.
Ao que parece, para os repetentes, é a mesma chatice do ano anterior, somada à frustração e à auto-estima chamuscada. Andemos mais além da tese. Não reprovando, a nação economiza recursos, pois, com a repetência, o estado paga a conta duas vezes. E, como sabemos por meio de muitos estudos, os repetentes correm muito mais risco de uma evasão futura. Logo, ganha-se de três lados. Como a "pedagogia da reprovação" não funciona, a "promoção automática" é um mal menor.
Ilustração Atômica Studio
A história não acaba aqui. A angústia de decidir se devemos aprovar quem não sabe torna-se assunto secundário, diante da constatação de que o aluno não aprendeu. Esse é o drama mais brutal do ensino brasileiro. Por isso, a discussão está fora de foco.

JC Roitberg disse...

(cont.)Precisamos fazer com que os alunos aprendam. De resto, não faltam idéias nos países onde a educação dá certo. Por exemplo, na Finlândia – e mesmo no Uruguai – há professores cuja tarefa é dar uma atenção especial aos mais fracos. Por que se digladiam todos contra a "promoção automática", quando a verdadeira chaga é o fraco aprendizado? De fato, há uma razão. Grosso modo, três quartos da população brasileira é definida como de "classe baixa". Dada essa enorme participação, o que é verdade para seus membros é verdade para o Brasil como um todo. Mas há os 20% de classe média e alta. Para esses pimpolhos, a situação é diferente. Famílias de classe baixa são fatalistas, assistem passivamente à reprovação dos seus filhos. Se não aprenderam a lição, é porque "sua cabeça não dá". Já na classe média a regra é outra. Levou bomba? Antes zunia a vara de marmelo, depois veio o confisco da bola, da bicicleta ou do iPhone. Santo remédio!
Reina a "pedagogia do medo da repetência". Essa é a arma dos pais para que o filho se mantenha por longo tempo colado à cadeira e com os olhos no livro. Cá entre nós, eu estudava por medo da bomba. É também a ameaça da bomba que permite aos professores forçar os alunos a estudar. Sem ela, sentem-se impotentes. Portanto, estamos diante de um dilema. O medo da repetência leva a minoria de classe média a estudar, para evitar os castigos. Pode não ser a pedagogia ideal, mas ruim não é. Já nas famílias mais modestas não há medo nem pressão para que os filhos estudem. O que há são as bombas caindo do céu e criando repetência abundante e disfuncional. Pouquíssimos países no mundo têm níveis tão altos de repetência como o nosso. Ao contrário de outros dilemas, esse tem solução clara, ainda que difícil. Basta melhorar a qualidade da educação para todos."

Paulo Freire

"Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica."

(Pedagogia da autonomia)