segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A greve dos eleitores


A Greve dos Eleitores (1888), tradução de Carlos Ramos, Coimbra, Nihil Obstat edições, 1998

[…] Eis, pois, que durante todos os séculos que o mundo tem durado, em que as sociedades se têm desenvolvido e sucedido umas após outras, um único facto tem prevalecido através da História : a protecção dos grandes e o esmagamento dos pequenos. O eleitor não consegue compreender que não há senão uma razão de ser histórica : pagar por uma série de coisas das quais jamais virá a desfrutar, e morrer por arranjos políticos que nada têm a ver consigo. Que lhe importa que se chame Pierre ou Jean quem lhe exige o seu dinheiro ou lhe tira a vida, quando ele é obrigado a despojar-se de um e a dar a outra ? Mas… bem… Não ! Entre os seus ladrões e os seus carrascos, ele tem preferências, e vota nos mais rapaces e mais ferozes. Votou ontem, votará amanhã, votará sempre. Os carneiros caminham para o matadouro. Nada dizem, estes, nada esperam. Mas pelo menos não votam no carniceiro que os vai matar, nem no burguês que os vai comer. Mais besta que as bestas, mais carneiro que os carneiros, o eleitor nomeia o seu carniceiro e escolhe o seu burguês. Fez revoluções para conquistar esse direito. Oh eleitorzinho, inexprimível imbecil, pobre coitado, se em vez de te deixares levar pelas lengalengas absurdas que te debitam, todas as manhãs, por um tostão, os jornais grandes ou pequenos, azuis ou negros, brancos ou vermelhos, que são pagos para obter a tua pele ; se em vez de acreditares nas quiméricas lisonjas com que afagam a tua vaidade e envolvem a tua lamentável soberania em farrapos ; se em vez de te deteres, eterno paspalho, perante as pesadas patranhas dos programas ; se em vez disso, lesses de vez em quando, ao canto da lareira, Schopenhauer e Max Nordau, dois filósofos que muito sabem sobre os teus chefes e sobre ti, talvez aprendesses então coisas espantosas e úteis. Talvez assim, depois de os teres lido, tivesses menos pressa em pôr o teu ar grave e vestir o belo redingote e ir a correr às urnas homicidas, onde, seja qual for o nome que lá depositares, é o nome do teu mais mortal inimigo. […]

Continuação...

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Paulo Freire

"Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica."

(Pedagogia da autonomia)