quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Tropeços - a graça e a lógica de certos enganos da fala



Quem de nós já não ouviu piada semelhante?


Policial para o motorista:

- teje preso!

Ele responde:

- NÃO TEJO !

Agora, quando não é piada é que fica "complicado"...

Alguém, ao se perceber “tropeçando” na língua, começou a desfiar um enorme rosário de explicações gramaticais para aquilo que ele considerou um verdadeiro pecado contra o Santo Idioma Nosso de Cada Dia. E aí que me lembrei de um texto que falava exatamente sobre isso e que vale à pena ser lido, principalmente, por seu estilo.

Afinal de contas, apesar de que tanta gente fala que língua oral pouco tem a ver com a língua escrita, a gente costuma ficar sem graça quando se percebe cair nestas armadilhas.

O que fazer, então?
Tentar se explicar
Fingir que nem cometeu o tal erro...
Corrigir a própria gramática
Apresentar razões que a própria razão desconhece
Pedir desculpas
Não fazer nada.
Disfarçar

Vamos ao texto...

Tropeços - a graça e a lógica de certos enganos da fala

“Outro dia eu vinha pela rua e encontrei um mandinho, um guri desses que andam sem carpim, de bragueta aberta, soltando pandorga. Eu vinha de bici, descendo a lomba pra ir na lancheria comprar umas bergamotas...”
Se você não é gaúcho, provavelmente não entendeu nada do que eu estava contando. No Rio Grande do Sul a gente chama tangerina de bergamota e carne moída de guisado. Bidê, que a maioria usa no banheiro, é o nome que nós damos para a mesinha de cabeceira, que em alguns lugares chamam de criado mudo. E por aí vai. A privada nós chamamos de patente. Dizem que começou com a chegada dos primeiros vasos sanitários de louça, vindos da Inglaterra, que traziam impresso “Patent” número tal. E pegou. [...]
O Brasil tem dessas coisas, é um país maravilhoso, com o português como língua oficial, mas cheio de dialetos diferentes.
No Rio de Janeiro é “e aí merrmão! CB, sangue bom!”. Até eu entender que merrmão era “meu irmão” levou um tempo. Pra conseguir se comunicar, além de arranhar a garganta com o erre, você precisa aprender a chiar que nem chaleira velha: “vai rolá umasch paradasch ischperrtasch”.
Na cidade de São Paulo eles botam um “i” a mais na frente do “n”: “ôrra meu! Tô por deintro, mas não tô inteindeindo o que eu tô veindo”. E no interiorrr falam um erre todo enrolado: “a Ferrrnanda marrrcô a porrrteira”. Dá um nó na língua. A vantagem é que a pronúncia deles no inglês é ótima.
Em Mins, quer dizer em Minas, eles engolem letras e falam Belzonte, Nossenhora. Doidemais da conta, sô! Qualquer objeto é chamado de trem. Lembrei daquela história do mineirinho na plataforma da estação. Quando ouviu um apito, falou apontando as malas: “Muié, pega os trem que o bicho tá vindo”.
No nordeste é tudo meu rei, bichinho, ó xente. Pai é painho, mãe é mainha, vó é vóinha. E pra você conseguir falar com o acento típico da região, é só cantar a primeira sílaba de qualquer palavra numa nota mais aguda que as seguintes. As frases são sempre em escala descendente, ao contrário do sotaque gaúcho.
Mas o lugar mais interessante de todos é Florianópolis, um paraíso sobre a terra, abençoado por Nossa Senhora do Desterro. Os nativos tradicionais, conhecidos como Manezinhos da Ilha, têm o linguajar mais simpático da nossa língua brasileira. Chamam lagartixa de crocodilinho de parede.
Helicóptero é avião de rosca (que deve ser lido rôschca). Carne moída é boi ralado. Caso você queira
um pastel de carne, precisará pedir um envelope de boi ralado. Telefone público, o popular orelhão, é
conhecido como poste de prosa e a ficha de telefone é pastilha de prosa. Ovo eles chamam de semente de galinha e motel é lugar de instantinho. [...] Se você estiver por lá, viajando de carro, e precisar alguma informação sobre a estrada pra voltar pra casa, deve perguntar pela “Briói”, como é conhecida a BR 101.
Em Porto Alegre, uma empresa tentou lançar um serviço de entrega a domicílio de comida chinesa, o Tele China. Só que um dos significados de china no RS é prostituta. Claro que não deu certo. Imagina a confusão, um cara liga às 2 da manhã, a fim de uma loira, e recebe como sugestão Frango Xadrez com Rolinho Primavera e Banana Caramelada.
Tudo isso é muito engraçado, mas às vezes dá problema sério. A primeira vez que minha mãe foi ao Rio de Janeiro, entrou numa padaria e pediu: “Me dá um cacete!!!”. Cacete pra nós é pão francês. O padeiro caiu na risada, chamou-a num canto e tentou contornar a situação. Ela ingenuamente emendou: “Mas o senhor não tem pelo menos um cacetinho?”.
N. do T. – mandinho é garoto, carpim é meia, bragueta é braguilha, pandorga é pipa, bici é bicicleta, lomba é ladeira, lancheria é lanchonete.

RAMIL, Kledir. Tipo assim. Porto Alegre: RBS Publicações, 2003. p. 75-76 (Fragmento)



Rοiτ®

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Paulo Freire

"Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica."

(Pedagogia da autonomia)