sábado, 2 de janeiro de 2010

Viver a Vida e a insensibilidade dos anjos.


O plantão de reportagens da Rede Globo anunciava a todo o instante as tristes notícias da tragédia em Angra dos Reis: vários colégios da cidade acolhendo as quase mil pessoas entre desabrigados e desalojados; velório coletivo das, até então, 33 vítimas; desaparecimento, por completo, de diversas casas em um condomínio na Ilha Grande; casas inundadas em diversos bairros, com intensidade no afastado Perequê, com as famílias perdendo todos os seus pertences.
Isto tudo nos deixou entristecidos e abalados, principalmente, porque vivemos durante 10 anos naquela comunidade e alguns amigos nossos, moradores na região, estão com suas casas cheias dágua.
Quando eu, minha mulher e filhos deixamos Angra, há alguns anos, havíamos passado por algo parecido e o poder público tinha se comprometido a fazer o impossível para que a tragédia não se repetisse. Uma soma vultosa de dinheiro fora, na ocasião, doada pelo governo federal, para aplicar em obras de contenção, no assoreamento de diversos rios e na construção de casas para receber as famílias que perderam tudo, além de ajuda aos órfãos e viúvas, junto a um aporte substancial do governo do Estado.
Voltamos para o Rio, acreditamos que a tragédia não mais se repetiria, a despeito das fortes chuvas, que sempre ocorreram naquela região nesta época do ano e que, certamente, continuariam acontecendo e que, nossos amigos que continuaram morando na localidade, não mais passariam por algo semelhante.
Ledo engano o nosso... Mais uma vez os governantes se esgueiram por trás das forças da natureza. De novo, a mesma retórica das construções irregulares em áreas de risco. Repetem-se as cenas dos acidentes naturais contra os quais nada se pode fazer.
Que haja desvio ou malversação de verbas públicas destinadas a evitar tais desastres, compreendo perfeitamente, porque é inerente aos cargos, hoje eletivos, o continuísmo deste tipo de ação que remonta ao Brasil colônia: temos tradição em desonestidade !
Agora, o que mais me chocou, além de tudo isto, foi a insensibilidade desta mesma emissora ao colocar no ar o programa da Angélica – Estrelas - gravado exatamente em Angra dos Reis, com quadros que mediavam entre aulas de remo em canoa da Polinésia e receitas italianas de salada com frutos do mar. Foi de estremecer a alma de qualquer ateu a seleção de imagens expressando a beleza paradisíaca das ilhas do litoral angrense, compondo o cenário para as entrevistas com atores falando de suas viagens internacionais, contrastando com o envio de corpos ao IML do Rio de Janeiro, com o movimento das retro-escavadeiras , com as ações das equipes de resgate e com os latidos dos cães farejadores, ao encontrar mais um corpo soterrado entre os destroços. Lembrou-me o quadro de Münch, “O Grito
Que o programa já havia sido gravado, acredito que sim. Mas, uma emissora como a Rede Globo não tem como administrar este tipo de eventualidade, se assim quisermos aceitar o ocorrido,, optando por outra programação?
Parece-me, que “Viver a Vida”, nos padrões globais, deve se distanciar da programação piegas tipo Gugu, que explora imagens piedosas de crianças cegas recebendo casas equipadas com moderna tecnologia, optando por cultivar a insensibilidade desumana e atroz.
Enredo pra Manoel Carlos ? Jamais porque, na Globo, tragédia não dá ibope. O Globo repórter tem que continuar falando dos lagartos gigantes das ilhas do Pacífico ou da exuberância das flores do cerrado. Mas será que, neste espaço midiático milionário não cabe um pouco de ética ou respeito à dor alheia, além do lucro com os anunciantes e patrocinadores ?
E olha que, no caso de Angélica, trata-se de uma apresentadora, cuja ideologia diz respeitar a todos os seres, detentora de uma imagem que já pertence ao imaginário de toda uma geração, que cresceu assistindo aos seus programas infantis.
Expresso, desta forma, nossas condolências e solidariedade aos nossos amigos angrenses, assim como o desejo de que suas dores sejam confortadas por nossa terna lembrança e pensamentos voltados aos anjos que ainda não perderam a sensibilidade.

Julio Cesar Roitberg

Leia:Tragédia expõe fratura entre ricos e pobres em Angra dos Reis

Um comentário:

Sandra Mattos disse...

s verbas prometidas foram para a campanha eleitoral. E agora? O que farão com as verbas prometidas? Porque para Angra (das pessoas pobres e humildes)não verá a cor desse dinheiro. Talvez, ajude ao povo das ilhas, será? Fico indignada, por ver pessoas perdendo o pouco que têm, mas que no futuro, nas próximas eleições votarão em Tucas Jordão da vida.
Bjs
Sandra Mattos

Paulo Freire

"Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica."

(Pedagogia da autonomia)