segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Fala da nova secretaria municipal da educação carioca

Vejam o que pensa a nova titular da SME/RJ que representa muito bem a visão tecnocrata liberal do que é a educação pública atual em seus problemas e soluções. Abraços, Sérgio.
"Educação como Caminho - de Claudia Costin
Publicado em O Estado de São Paulo, dia 05/01/2009
Este artigo é uma espécie de despedida. Assumo, neste mês de janeiro, o cargo de secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, com o desafio de melhorar a qualidade da educação oferecida a cerca de 1 milhão de estudantes cariocas. Trata-se de uma tarefa muito instigante, para a qual minha atuação como vice-presidente da Fundação Victor Civita e a participação no Comitê Técnico do movimento Todos pela Educação ajudaram a me preparar.
O texto é também o último de uma série que iniciei em agosto de 2007 sobre políticas públicas. Pude escrever sobre meio ambiente, energia, segurança alimentar, saúde, assistência social, infraestrutura e educação. O enfoque era sempre o mesmo: a diferença que uma boa gestão faz em cada política pública abordada e alguns exemplos de bons resultados da ação do poder público em prefeituras, Estados ou no governo federal.
A idéia era mostrar que, a despeito de dificuldades e da configuração do nosso sistema político, é possível melhorar a qualidade de vida do cidadão, finalidade última da ação do Estado. Mas, de todas as políticas públicas, uma tem potencial maior de criar oportunidades, especialmente se combinada com crescimento econômico: a educação.
Um estudo do Banco Mundial, coordenado por Guillermo Perry, mostra com dados empíricos que a educação é o melhor caminho para o enfrentamento da pobreza. Quando a mãe conclui o ensino médio, a geração seguinte terá menor probabilidade, diz o estudo, de ser pobre. O fator mais decisivo, porém, no ensino oferecido pelo poder público, é o da qualidade para todos. Até porque, se a escola pública não ensina o que deveria, os jovens não ficam. Um dos principais motivos de abandono escolar, segundo os especialistas, decorre da sensação de que a escola não está levando ao aprendizado. Sim, é importante que a escola seja motivadora, mas ela precisa ensinar. Caso contrário, o jovem busca atividades que lhe tragam mais vantagens.
Há muitos problemas que devem ser enfrentados para que isso seja possível. Um deles é a formação inadequada do professor.
No Brasil, muitos professores saem inseguros das faculdades, sem saber o que e como ensinar em sala de aula. Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, em parceria com a Fundação Victor Civita, mostra o quanto a formação de professores para o ensino infantil e fundamental é deficiente e não os prepara para a sala de aula.
Dos currículos dos 71 cursos avaliados, apenas 5,3% da carga horária é dedicada ao ensino infantil, enquanto só 20,7% dizem respeito a didáticas específicas, metodologias e práticas de ensino. O que prevalece são fundamentos teóricos da educação que preparam o futuro docente do ponto de vista humanístico - disciplinas como Sociologia, Filosofia ou História da Educação. Estes conteúdos, importantes tanto para o professor quanto para o pesquisador, apresentam, no entanto, uma carga horária excessiva para alguém que vai atuar, sobretudo, em sala de aula. Alguém que domina a diferença entre Vigotski e Piaget e conhece a fundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não é necessariamente habilitado para ser um bom professor.
Além de despreparado, o professor é pouco valorizado e tem sua autoridade posta em xeque. Pode-se supor que a desvalorização advém da pouca formação. Em parte, isso é verdade, mas não é toda a verdade.
A desvalorização veio, em muitos países, juntamente com o esforço de dar acesso às escolas a um grupo cada vez maior de crianças, e ao grande número de vagas correspondeu uma perda de valor social e uma redução dos salários (dada a lei da oferta e da procura). Ao mesmo tempo, uma associação do professor com uma categoria artificial de “trabalhadores da educação”, feita por alguns sindicatos, como corretamente questiona Rubem Alves em seu magnífico Conversas com Quem Gosta de Ensinar, trouxe-lhe uma queda no prestígio de que anteriormente gozava.
A maior participação da mulher no mercado de trabalho trouxe, simultaneamente a este processo, outras opções de carreira para as mais talentosas. Anteriormente, se uma mulher desejasse trabalhar, a única possibilidade socialmente aceita era ser professora. Com a degradação dos salários e do status de professor, as possíveis professoras passaram a escolher, em grande número, outras profissões, agravando ainda mais o quadro. Muitos outros fatores se somam para explicar a baixa qualidade da educação brasileira, agora universalizada no ensino fundamental: o reduzido repertório cultural das famílias, o imediatismo nas políticas públicas, a baixa atenção aos problemas de saúde na primeira infância.
No caso do Rio de Janeiro e de algumas grandes cidades, a violência dentro e fora da escola vem-se somar a esta triste situação. Uma criança continuamente exposta à verdadeira guerra civil que nos impôs o narcotráfico tem certamente mais problemas de aprendizagem do que seus colegas fora de áreas de risco social. Para além de bloqueios cognitivos a que está sujeita, acaba contando também com maior absenteísmo do professor e desorganização do ambiente escolar.
Mas é esta criança que mais precisa das oportunidades que a escola pode criar. E é com o olhar dirigido a ela que parto para o Rio.
Para cuidar da educação desta e das demais crianças, um caminho: capacitação e valorização de professores, estabelecimento e monitoramento de metas de aprendizagem por escola, recuperação de quem ficou para trás e fortalecimento de creches e pré-escolas, para diminuir as diferenças oriundas de classe social no desempenho do primeiro ano. Com isso as escolas do Rio poderão formar jovens que ingressem preparados no ensino médio, para se tornarem profissionais e cidadãos aptos a fazer escolhas informadas.
Claudia Costin é secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi vice-presidente da Fundação Victor Civita, professora do Ibmec-SP, ministra da Administração e Reforma do Estado e secretária da Cultura do Estado de São Paulo. "

Um comentário:

Correndo aos 60 disse...

Sergio e amig@s, a despeito da visão tecnocrata-liberal deste discurso, também se percebe a necessidade de uma orientação das políticas publicas para a valorização do agente da educação: o profissional do ensino. E é exatamente este o ponto em que a autora prioriza em "Para cuidar da educação desta e das demais crianças, um caminho: capacitação e valorização de professores...", pois, sem isto, tudo o mais está fadado ao grande desastre social, promovido pelo descaso ao professor.

Paulo Freire

"Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica."

(Pedagogia da autonomia)